Véspera de Natal. Sem avisar, o jovem Ben Burns (Lucas Hedges) surge na porta de casa após 6 meses em uma clínica para dependentes químicos. Sua mãe, Holly (Julia Roberts), e seus irmãos mais novos exultam ao revê-lo.
Sua irmã Ivy (Kathryn Newton) é reticente, desconfia da condição de Ben. O padrasto, Neal (Courtney B. Vance), partilha da mesma opinião. Nem mesmo Holly está tão certa da situação do filho, tratando logo de esconder joias e remédios.
Todos, incluindo Ben, entram em acordo: no dia seguinte ele deve retornar para a clínica. Conseguirá o rapaz resistir aos inúmeros gatilhos a sua volta e permanecer sóbrio pelas próximas 24 horas? É este o grande suspense do filme. Tudo girará em torno disso, e o roteiro se encarregará de colocá-lo à prova a todo instante.
Teste de fogo, também, para sua mãe. Com energia e ternura, Julia Roberts – Oscar em 2001 pelo ótimo ‘Erin Brockovich’ – encarna a mãe que fará de tudo para não abandonar o filho. Holly não deixa de lutar por ele um minuto sequer, mesmo consciente das limitações do rebento. Pois o ‘O Retorno de Ben’ fala, sobretudo, do poder maternal, da inigualável fé que uma mãe é capaz de depositar nos filhos. Diz respeito, ainda, a devoção filial pela figura materna. O garoto esforça-se ao máximo para que ela não tome contato com o submundo por onde tanto andou.
A trama não acontece durante o Natal por acaso. Cada dia na vida de Ben – e assim o é para qualquer dependente químico – trata-se de um novo nascimento para ele. De fato, a noite de 24 para 25 de dezembro será difícil, como um longo trabalho de parto para que Holly possa ver seu menino nascer mais uma vez.
Construindo uma sólida carreira, Lucas Hedges, por sinal, tem mais uma atuação luminosa. Indicado ao Oscar como coadjuvante em 2017, por ‘Manchester à Beira-Mar’, esteve ainda nos recentes ‘Lady Bird’ e ‘Três Anúncios Para Um Crime’, além do contundente ‘Boy Erased’, lançado há poucas semanas no país. Em ‘O Retorno de Ben’, protagoniza pela primeira vez um filme dirigido pelo pai, o também roteirista Peter Hedges. Em seu quarto trabalho por trás da câmera, ele não desenvolveu o projeto tendo o filho em mente, mas acabou aceitando a sugestão da própria Julia Roberts.
Peter tem dois grandes méritos aqui: o desenvolvimento do primeiro terço do filme se dá em ritmo intenso e é vital para capturar nossa atenção. O segundo mérito é evitar chantagens emocionais. A empatia pelos personagens ocorre naturalmente. Em momento algum a compaixão por eles nos é imposta.
Se a metade final perde a robustez cinematográfica do início, é compensada pela cumplicidade que Julia e Lucas demonstram em cena. A do cemitério é marcante. O fragmento dela no trailer mais abaixo felizmente não dá conta do impacto que ela nos causa. Só vendo por inteiro para sentir o que milhares de mães nessa situação passam diariamente.
Apoiado fundamentalmente no tripé Peter/Julia/Lucas – a direção do primeiro dominando a parte inicial, com o dueto se encarregando do restante – ‘O Retorno de Ben’ é forte, também, por trazer uma visão humana e não estereotipada de dependentes químicos, tratando-os como doentes que são, e não como simples delinquentes, o que as circunstâncias por vezes os levam a ser, ainda que, mesmo assim, isso não constitua o cerne da questão, que continua sendo antes de saúde pública e inclusão social, e não exatamente de segurança, como certas gestões vivem demonstrando por aí.
É o que, discretamente, o roteiro de Peter reafirma: não há uma única intervenção policial durante todo o filme. Na única vez em que surgem na tela, onde permanecem por menos de um minuto, estão dentro da delegacia. ‘O Retorno de Ben’ nos mostra que dependentes químicos carecem de diálogo, e não de jatos d’água e balas de borracha.
O Retorno de Ben (Ben is Back) – EUA, 103 min, 2018. Dir.: Peter Hedges – Estreou em 21/3. Assista ao trailer: