MULHERES QUE TOCAM TAMBORES: RELAÇÃO DE AMOR E ANCESTRALIDADE

TOCAR TAMBOR É FORÇA, É RESISTÊNCIA, É PODER - E QUE PODER CURATIVO ISSO TEM
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12.03.2021

Divulgação

Sempre digo que tocar tambor, para mim, significa estar entre mulheres, porque foi dessa maneira desde a primeira vez que eu toquei um tambor na minha vida. E não por coincidência, esses são momentos de cura, amor e conexão com o meu interior e com as outras – principalmente as que vieram antes de mim e possibilitaram isso.  A percussão, ainda nos dias atuais, é um lugar muito ocupado por homens, mas aquela visão de que se trata de um lugar não pertencente à mulher, vem perdendo força, porque as mulheres não estão somente ocupando esses lugares, estão fortalecendo outras mulheres através dos tambores.

“Dar o lugar que é da mulher, o lugar do tambor, que é feminino. O tambor não é masculino, o tambor é feminino!” diz Adriana Aragão, percussionista, co-fundadora do Bloco Afro Ilú Obá de Min e professora. A conexão de Adriana com a percussão vem da sua família nordestina, do samba e principalmente da religiosidade – em suas próprias palavras, ela só é artista hoje porque é filha de orixá, porque vem do religioso. Foi criada por Ogans(cargo ocupado sempre por homens no candomblé e na umbanda) que, mesmo em um lugar considerado tão masculino dentro da religião, mostraram o caminho da musicalidade dos tambores, deram todo o suporte e acolhimento para que ela percebesse o quanto era forte estar ali.

E é o que ela ensina em suas aulas: “É uma potência tão grande quando a gente começa a ensinar essas mulheres. Eu trabalho muito com a oralidade, com o corpo da pessoa, com o que a pessoa sente. Isso traz um lugar de empoderamento ancestral, não precisa tá na religião. Mas a mulher ali aciona sua ancestralidade, ela se reconecta”.

ADRIANA ARAGÃO TOCANDO TAMBOR EM SUA AULA – FOTO: ABNASHI

MOVER-SE PARA CUIDAR DE SI: A DANÇA ANCESTRAL COMO CAMINHO DE CURA

Girlei Miranda, percussionista, professora e co-fundadora do Bloco Afro Ilú Obá de Min, conta que não tinha a ambição de ensinar. Isso aconteceu porque muitas mulheres, ao vê-la tocar, perguntavam se ela dava aulas. Por entender que a música, o samba e a cultura popular deve ser acolhimento – acolhimento esse que ela sempre teve por parte dos pais e da família, mesmo estando, desde muito nova, no universo do samba, considerado tão masculino – ela passou a ensinar as amigas, a fim de que elas se reunissem no fim do dia, depois da aula ou do trabalho, para tocar juntas.

30 ANOS – GIRLEI LUIZA MIRANDA E SEUS TAMBORES – FOTO: FLÁVIA GOMES

Ensinar outras mulheres veio da construção desses grupos que foram feitos para se divertir, mas também para romper essas barreiras machistas. E aí, a partir do momento em que as mulheres desses grupos insistem e permanecem, a mulher na percussão vai ganhando mais espaço, voz e força. “Eu sou muito realizada hoje de ter formado, de ter feito parte, de ser co-fundadora de alguns grupos; de ser mestra de algumas lindas e maravilhosas que tocam tambores, de mulheres que estão ali e dizem: ‘nossa, mudou minha vida, mudou minha casa, mudou minha família, mudou o meu olhar com meu marido, com as minhas filhas… Mudou o meu olhar através da arte, mudou o meu olhar através da vida.’ Enfim, isso tudo dentro de uma aula. Elas chegam lá e se jogam completamente, se desnudam.” diz Girlei.

A mulher tocando tambor envolve afeto, envolve cuidado e muito respeito pelas origens e por todas que resistem e resistiram nesse lugar, principalmente quando ele ainda era composto inteiramente por homens. Hoje, nós temos mestras como a Adriana Aragão e a Girlei Miranda, que tiveram em suas trajetórias homens que passaram muito conhecimento para elas. Mas como se expande e enriquece quando elas passam isso para outras mulheres.

Que grandiosidade saber que hoje já existam mais mestras e mais professoras como elas. Tem-se um caminho, talvez, longo pela frente, mas viemos alcançando e conquistando muitos espaços até os dias de hoje. A experiência de aprender esse instrumento e viver o que a percussão proporciona, é transformador. Viver isso acompanhada de mulheres é extremamente grandioso. É entender que os tambores tem história, que a música tem história, os ritmos têm história e nós temos história – que muitas vezes se cruzam. Tocar tambor é autoconhecimento, é libertador. Tocar tambor é amor.

O TOCAR DO TAMBOR – FOTO: MARIA ANDRESSA

“Se puderem, pelo menos 10, 5 minutos, ir lá e tocar um pouquinho o tambor, seria a cura para a própria pessoa e para o universo. É importante demais a mulher tocar o tambor. A gente vibra o tempo todo o nosso pulsar, o nosso querer dentro de nós. E você se cura. Palavras que são muito ruins, energias que são muito ruins, estão aí para ser assimiladas se a gente estiver de corpo aberto, sem nos proteger com o nosso próprio som, nosso próprio pulsar. Tocar um instrumento, ouvir uma boa música e sempre celebrar, é muito importante nesse momento.”  Girlei Miranda.

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