Nome central da história do cinema, com filmes que marcaram gerações, Agnès Varda (1928–2019) também é autora de uma extensa produção fotográfica, tendo inclusive começado sua carreira como fotógrafa. Ao longo dos anos, consolidou-se como cineasta, mas a fotografia continuou presente em sua trajetória, seja em seus filmes, seja nas instalações artísticas que produziu no século 21. Essa faceta de sua obra, ainda menos conhecida pelo público, é apresentada na mostra “Fotografia Agnès Varda Cinema”, que abre no dia 29 de novembro no IMS Paulista, com entrada gratuita.
IMS PAULISTA ABRE A EXPOSIÇÃO “ARQUIPÉLAGO IMAGINÁRIO” QUE TRAZ FOTOGRAFIAS INÉDITAS DE LUIZ BRAGA
A exposição reúne cerca de 200 fotografias tiradas por Varda, principalmente entre as décadas de 1950 e 1960. O conjunto traz imagens clicadas em viagens, incluindo registros inéditos na China, em 1957, fotos em Cuba, no contexto pós-revolução, e nos Estados Unidos, onde a artista documentou os Panteras Negras. Há ainda fotos feitas em Paris, como as de uma peça encenada pelos Griôs, primeira companhia de teatro negro na cidade. Em diálogo, a mostra apresenta trechos de filmes da autora, enfatizando como o comprometimento social, o olhar afetuoso e o humor caracterizam a sua produção.

Agnès Varda com sua câmera Leica na frente da ponte de Wuhan em construção, China, 1957Coorganizada pelo IMS, o Institut pour la photographie des Hauts-de-France e o Ciné-Tamaris, a mostra é realizada no âmbito da Temporada França-Brasil 2025. A curadoria é assinada por Rosalie Varda, diretora do Ciné-Tamaris e filha da cineasta, e João Fernandes, diretor artístico do IMS, com assistência de Horrana de Kássia Santoz, curadora vinculada à diretoria artística do IMS. No dia da inauguração, a curadoria participa de uma conversa com o público. Como parte da programação, ao longo do período expositivo, o Cinema do IMS Paulista exibirá uma seleção de filmes de Varda. A sessão de abertura será no dia 30/11, às 15h, com a exibição dos curtas “Os Panteras Negras” (1968), “Saudações, cubanos!” (1963) e “A Ópera-Mouffe” (1958), seguida de um bate-papo com Rosalie Varda, no qual ela responderá perguntas do público.
Na entrada da exposição, o público encontra um painel composto por retratos de Varda segurando diferentes tipos de câmeras. As imagens captam diversos momentos da vida da cineasta, mostrando como a experimentação de linguagens e de diferentes técnicas esteve presente em sua carreira. Na transição da virada do analógico para o digital, inclusive, Varda rapidamente aderiu ao novo formato, defendendo que, por serem pequenas e leves, as câmeras digitais ajudavam a captar a espontaneidade.

Jovem acrobata, Pequim, China, 1957Em seguida, a mostra retoma o começo da trajetória da artista, com fotografias que Varda exibiu em uma pequena exposição, em 1954, no pátio da casa onde morava, na rua Daguerre, em Paris. As imagens incluem registros de paisagens, naturezas-mortas, além de objetos cotidianos, como as batatas, elemento posteriormente muito presente em sua filmografia. Ainda deste período, são exibidas fotos feitas durante a filmagem do seu primeiro longa-metragem, “La Pointe-Courte” (1954), centrado na relação amorosa de um casal, ambientado numa vila de pescadores, no sul da França.
Entre 1948 e 1961, Agnès Varda trabalhou como fotógrafa oficial no Festival de Avignon e com o Teatro Nacional Popular. A exposição aborda esse período inicial de sua carreira, com destaque para registros da peça “Papa Bon Dieu”, encenada em 1958 pela Compagnie d’Art Dramatique des Griots, conhecida como Griôs, primeira companhia de teatro negro em Paris, fundada, entre outros nomes, pela cineasta Sarah Maldoror. Com texto de Louis Sapin e um elenco majoritariamente negro, a peça apresentou a trama de um catador que, dado como morto retorna à vida e é confundido com a volta de Deus à Terra. As fotos de Varda captam o elenco em ação, a composição das cenas e outros detalhes da peça. Além do conjunto de fotografias, é exibido o programa original do espetáculo.

Apresentação da peça "Papa Bon Dieu". Paris, janeiro de 1958Grande parte da exposição é dedicada às viagens de Varda. Em suas andanças pelo mundo, acompanhou grandes mudanças da segunda metade do século XX, com um olhar atento ao contexto político, mas também às sutilezas e aos detalhes, com interesse especial pelas mulheres e crianças. Há imagens produzidas em 1956, no sul da França, principalmente em Marselha, cidade marcada pela presença de imigrantes árabes e africanos, e também em Portugal, onde retratou a comunidade pescadora de Nazaré.
Nesse núcleo, um dos principais destaques é a série que Varda produziu na China, em 1957, quando viajou ao país como parte de uma delegação francesa. Grande parte inéditas, sendo exibidas pela primeira vez ao público, as fotografias foram tiradas após a Revolução Maoísta e antes da Revolução Cultural. Por cerca de dois meses, Varda percorreu cidades, portos, fábricas, templos e comunidades rurais, registrando cenas cotidianas, personagens comuns e as transformações em curso no país. Sua câmera também focou bastante nas crianças, vistas por Varda como a esperança do futuro de um país em revolução.

Redes de pesca na praia, Portugal, 1956Para a curadoria, as imagens feitas na China “são registros essenciais de um encontro entre política, cultura e subjetividade, atravessados por contingências históricas. Elas não capturaram uma grande narrativa de uma revolução, mas elaboraram uma modernidade em construção: fragmentos de vidas comuns, expressões de resistência cultural”.
A exposição também traz fotos clicadas em Cuba, em 1962, onde a cineasta esteve a convite do governo do país. Munida de duas câmeras fotográficas, uma Rolleiflex e uma Leica, Varda produziu, a partir das imagens tiradas, o curta-metragem “Saudações, cubanos!” (1963). A mostra exibe tanto as fotografias quanto o próprio filme, que também estará em cartaz no cinema. Entre os registros feitos, estão imagens de colheitas de açúcar, cerimônias de santería, além de retratos de figuras históricas, como a cineasta Sara Gómez e o próprio Fidel Castro, fotografado casualmente em uma praia. Há ainda imagens coloridas, exibidas pela primeira vez.

Retrato de uma mulher durante dança Carabalí Isuama, de origem francesa do Haiti, Santiago, Cuba, 1963Em suas incursões pelo mundo, Varda também viveu entre 1967 e 1968 na Califórnia, nos Estados Unidos, com seu marido, o diretor Jacques Demy, que filmava em Hollywood. No novo país, encontrou um ambiente marcado pelos protestos contra a Guerra do Vietnã e pelos movimentos de resistência política e cultural. A exposição apresenta imagens produzidas pela artista nesse período, com destaque para sua documentação dos Panteras Negras. Em 1968, em Oakland, Varda documentou o julgamento de Huey Newton, cofundador do partido. A mobilização em torno do processo judicial transformou-se em um encontro público de denúncia da violência policial e de afirmação política do movimento negro. Com uma câmera 16 mm, Varda registrou a dimensão histórica da manifestação, como também os pequenos gestos, rostos e detalhes, resultando no filme Os Panteras Negras, também exibido no cinema do centro cultural.
Além da produção das décadas de 1950 e 1960, a exposição apresenta uma obra mais recente, a instalação Instantes parados (2012), na qual a artista investiga o movimento inverso de sua prática habitual, partindo do cinema para a fotografia. Para produzir essa instalação, Varda selecionou uma cena do seu filme “Os renegados” (Sans toit ni loi, 1985) e extraiu dez fotogramas consecutivos, correspondentes a menos de um minuto de ação. Na instalação, os fotogramas são exibidos ao lado do trecho original do filme, articulando as tensões entre fotografia e cinema. Segundo a curadora Rosalie Varda, a obra é “uma espécie de síntese, a prova de que, até os últimos anos de sua carreira, Varda permaneceu inquieta, sempre em busca de novas formas de olhar, de pensar e de compartilhar as imagens”.
Em cartaz até abril de 2026, a mostra reforça a importância de Agnès Varda como uma produtora e pensadora da imagem, com obras que investigam diferentes suportes artísticos, articulando humor, política e ternura, a partir de um processo de escuta e abertura ao outro.
SERVIÇO
Mostra “Fotografia Agnès Varda Cinema”
Onde: IMS Paulista
Endereço: Avenida Paulista, 2424, Consolação – São Paulo
Quando: 29 de novembro de 2025 a 12 de abril de 2026
Horário: terça a domingo e feriados das 10h às 20h
Quanto: entrada gratuita
Classificação etária: livre
Informações: (11) 2842-9120 ou através do site


