Quais as perspectivas de vida do jovem cidadão brasileiro, em especial o que reside nos subúrbios de nossas metrópoles? Para Eliane Coster, diretora e roteirista em seu primeiro longa-metragem, não são as mesmas de uma década atrás. Nem tão animadoras.
Se compararmos a filmografia nacional dos dois períodos, notaremos indícios que reforçam a visão da diretora. Há dez anos, nossa juventude era destacada por nosso cinema em filmes como ‘Antes que o Mundo Acabe’, de Ana Luiza Azevedo, e ‘As Melhores Coisas do Mundo’, de Laís Bodanzky. Com desfechos otimistas, são produções que refletem os bons ventos em que o país então navegava. Emblemático que ambos contenham “mundo” no nome, pois conquistá-lo era o mínimo que aqueles jovens personagens poderiam almejar.
Já nos últimos dois ou três anos, ‘Canastra Suja’ (Caio Sóh), ‘Ferrugem’ (Aly Muritiba), e ‘Rasga Coração’ (Jorge Furtado) são alguns dos títulos que revelam uma juventude menos entusiasmada com o horizonte à sua frente, em contextos nitidamente mais pesarosos, e de conclusões menos esperançosas. Segundo a cineasta, as manifestações de junho de 2013 simbolizam a mudança desses ânimos, período em que começou a gestar o roteiro de seu filme.
Em ‘Meio Irmão’, premiado pela crítica (melhor diretor estreante) e audiência (melhor ficção brasileira) na 42ª Mostra Internacional de São Paulo, Coster demonstra seu ponto de vista nos contando sobre Sandra (Natália Molina) e Jorge (Diego Avelino), irmãos por parte materna que há tempos não se falam. Ele, vivendo com seu pai. Ela, com a mãe, de quem desde o início não se tem notícia. Menor de idade, sem emprego, e rejeitada pelo pai, só resta à Sandra recorrer ao irmão quando, há dias com a mãe desaparecida, já não consegue se sustentar.
Ambos vivem na imensidão da zona leste de São Paulo. A periferia, por sinal, se constitui igualmente protagonista, na medida em que abriga todo o desenrolar da trama, sem dar espaço a bairros mais centralizados. Na busca pela mãe, sentimos o pulsar único de regiões como essa, com seus milhares de microempreendedores girando a economia da cidade, tornando o conceito de centro mera questão geográfica, e não mais uma forma de distinguir onde ocorre e onde não ocorre atividades comerciais relevantes.
Para Sandra, que em certo momento já não sabe bem onde se abrigar, essa zona periférica tem, ainda, um papel de maternal acolhida. A garota a percorre com destemor, sabendo que, em última instância, não deixa de estar em seu lar. É como se todos aí fossem meio-irmãos: sem qualquer estigma, filhos da periferia. Nesse caminho, e já ao lado de Jorge, passamos por subtramas envolvendo homofobia e racismo, questões que continuam assombrando nossa sociedade, seja qual for o bairro.
Abrilhantado por uma pungente interpretação de Natália Molina, estreante em produções audiovisuais, e já premiada nos festivais de Caruaru (PE) e Fronteira (RS), ‘Meio Irmão’ se vale, também, de uma estética aparentemente simples. Sua fotografia naturalista, quase sem filtros, confere realismo à obra. Sua narrativa flui sem ser sobreposta por floreios técnicos. Nesse sentido, é o “anti-1917”. Precisamente por isso, nos transmite muito mais verdade.
Meio Irmão – Brasil, 98 min, 2018. Dir. Eliane Coster – Estreou em 5/3. Asista ao trailer: