Délia foi o pseudônimo escolhido pela romancista e jornalista Maria Benedita Bormann para exceder o fado da submissão da sociedade patriarcal do século 19. Em sua obra, ‘Lésbia’, a gaúcha radicada no Rio de Janeiro da vibrante belle époquese valeu do privilégio de sua emancipação pelo estudo e pela independência de opiniões para narrar as aventuras e desventuras de Arabela, jovem com educação requintada e grande sensibilidade que supera o casamento marcado pela repressão e humilhação com sua habilidade e sucesso como escritora, tornando-se objeto da obsessão de muitos homens.
A obra foi um marco da literatura por sua ousadia, mas teve poucas edições, e agora é redescoberta, voltando em publicação luxuosa, revisada e atualizada pela Editora 106, com uma diagramação que permite maior fluidez de leitura para o público contemporâneo.
Bormann serve-se do personagem como alter ego para apresentar a luta de uma mulher que deve enfrentar o menosprezo e a cobiça masculina para se impor. No entanto, não deixa de lado os infortúnios da vida, como ser traída pelo seu próprio coração no momento em que julga ter alcançado a maturidade emocional que supostamente a imunizaria de mais decepção e tragédia.
O romance, que conta com a preciosa contribuição da doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais, Maria do Rosário A. Pereira, referência em pesquisas sobre a literatura brasileira, é repleto de provocações impensáveis para sua época. Como certo espelho da vida de Bormann (ou Délia, pseudônimo que escolheu), mulher autocentrada, culta, bela, segura de si e com toques de ironia, ‘Lésbia’ revela que os problemas enfrentados pela protagonista, como o machismo estrutural, ainda se estenderiam por mais de um século.
Assim como a abolicionista Emília Freitas – autora de ‘Rainha do Ignoto’ –, Bormann antecipou discussões importantes, como o empoderamento feminino, o abuso doméstico, o desejo da mulher e a depressão. 176 páginas. R$ 62,90.