Filhas da Lua – Conheça o bloco exclusivamente feminino

O bloco homenageia as mães de cabeça de cada fundadora: Iansã, Iemanjá e Oxum
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15.01.2021

Victor Herege

O teatro me levou para a percussão e a percussão me levou para um encontro único com mulheres e com a música. Tocar tambor sempre significou estar entre mulheres, desde a minha primeira vez. Foi um processo natural e por acaso, se assim posso dizer. Comecei fazendo algumas aulas de percussão geral no Ilú Obá de Min (associação que tem como base o trabalho com as culturas de matriz africana, afro-brasileira e a mulher) e hoje faço parte da bateria do Bloco Filhas da Lua, no qual toco timbau.

O bloco Filhas da Lua nasceu no bairro do Bixiga, em São Paulo, no dia 31 de outubro de 2017, fundado por Danielle Tereza Arruda, Fernanda Assef e Juliana Matheus. O intuito era ser um bloco de amigas formado exclusivamente por mulheres, que mesmo sem ser religioso, iria homenagear as mães de cabeça de cada fundadora: Iansã, Iemanjá e Oxum.

“Diversidade, igualdade, prazer

Tão fértil as águas, força da lua, Yabás

Da raça faceira, da face festeira da mulher sereia

Da forte guerreira, da mais bela menina dos olhos de Ifá

Daquela que vem do começo de tudo pra gente estar no mundo

Sentindo o profundo poder e a benção das Obirinxás.”

(Trecho do Hino 2018 Bloco Filhas da Lua. Composição: Xande)

Vestidas de vermelho, azul e amarelo, cores das orixás homenageadas, o pequeno grupo de amigas ocupou a escadaria do Bixiga no primeiro carnaval do Filhas das Lua. Mal podiam imaginar que menos de um ano depois, em janeiro de 2019, dois acontecimentos transformariam o bloco: a reportagem divulgando o Filhas da Lua em uma emissora de TV aberta e a entrada das mestras de bateria Camila Midori e Carol Oliveira. De uma hora para a outra, o grupo se viu com uma bateria gigante, acolhendo mais de 70 mulheres que, assim como eu, sentiram-se convidadas pela matéria que viram na televisão. Mulheres que, em sua grande maioria, nunca haviam tocado nenhum instrumento de percussão. Um desafio para o bloco inteiro, especialmente para as duas mestras, porque seriam apenas 7 ensaios até o cortejo. Mas com água de cheiro, colares prateados e muita vontade de aprender e de fazer acontecer, as mulheres abriram o carnaval de rua de São Paulo e, dessa maneira, seguem colocando o bloco na rua até hoje.

Com timbau, surdo, caixa, agogô, tamborim, agbê e repenique, os ensaios do Filhas da Lua funcionam como aulas desses instrumentos, assim como acontece em outros blocos de rua. Os ritmos principais são ijexá, samba e samba reggae, com algumas letras autorais como Vou Assim Mesmo (Blusinha Decotada), A Dama da Lamparina e Pra Menina que Virá, e letras já conhecidas que saúdam as 3 orixás homenageadas, ou que tem relação com a temática do bloco. Para o carnaval de 2020 foi formado também o corpo de baile, coreografado pela Natalie Amendola, uma ala que desde o começo o bloco queria ter. Até o último ano, todas as saídas no carnaval de rua de São Paulo foram pagas com contribuições voluntárias e ações que as integrantes do bloco fizeram – nunca foi cobrado taxa ou mensalidade de nenhuma mulher.

Na metade de 2020, o bloco foi contemplado pela 1ª edição de apoio aos blocos de carnaval de rua da Cidade de São Paulo e, pela primeira vez, o dinheiro usado não virá única e exclusivamente da contribuição voluntária. Esse grande passo vem permitindo que o bloco cresça ainda mais e amplie algumas áreas. Uma das novidades para o próximo carnaval, é a formação das chefes de naipe. Sete mulheres farão parte dessa formação, uma para cada instrumento que compõe a bateria. Além dessa novidade, faremos também reuniões de formação e rodas de conversa, uma boa oportunidade para que a gente entenda e consiga continuar construindo esse espaço que já pertence a nós.

2º Cortejo do Bloco Filhas da Lua no carnaval de rua de SP em 2020

“Olha quem vem lá

Chegando

Com a luz na escuridão

É ela, em sua caminhada

Já escuto a batucada

Dentro do meu coração”

(Trecho de A Dama da Lamparina. Composição: Mônica Huambo)

Acredito que para muitas mulheres que fazem parte do bloco, ou que passaram por ele, o Filhas da Lua tem um poder curativo. A música por si só tem isso; é, muitas vezes, um lugar de cura e acolhimento. Eu nunca tinha passado por experiências como essas que a percussão me proporciona até hoje, de estar em um lugar que só tenha mulheres. E mesmo consciente do quanto isso é poderoso, só fui realmente entender a força dessa união quando eu vivenciei esse todo. E digo que existe uma urgência dessa união. Precisamos ocupar espaços que normalmente não ocupamos, precisamos nos apropriar de espaços que, por muitos anos, vem sendo ocupados majoritariamente por homens.

Assim como também precisamos nos entender e nos acolher, para que possamos nos respeitar verdadeiramente. E eu acredito que esse bloco esteja construindo de maneira generosa esse caminho. É lindo estar na rua e tocar no carnaval com essas mulheres. É lindo sentir que sou parte de algo e de um lugar, compartilhar vários sentimentos e vivências. Poder se enxergar na história da outra e abraçar as mesmas lutas. Fazer parte deste movimento requer responsabilidade, cuidado, seriedade e respeito.

O bloco Filhas da Lua voltou suas atividades de maneira virtual em janeiro de 2021. Atualmente somos cerca de 100 mulheres que tocam, dançam e ocupam o espaço público. O bloco pretende abrir as portas para novas integrantes em Fevereiro, caso seja possível retomar os ensaios presenciais nas tardes de domingo. Todas as mulheres são bem vindas para estarem onde desejam estar.

“Ah, esse sofrer tem hora

Pode dizer adeus à dor agora”

(Trecho de A Dama da Lamparina. Composição: Mônica Huambo)

2º Cortejo do Bloco Filhas da Lua no carnaval de rua de SP em 2020

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