Aprendemos na escola que dia 22 de abril de 1500 foi o dia em que chegaram nestas terras os portugueses, com suas caravelas imponentes chefiadas por Pedro Álvares Cabral, que por um erro no trajeto, vieram parar aqui e descobriram o Brasil. Ops, tem algumas informações que não estão batendo.
Por muito tempo esta história contada propositalmente de forma equivocada construiu erroneamente o pensamento da maioria dos brasileiros. Pra começo de conversa o Brasil não foi descoberto e sim, talvez, achado. Aqui já habitavam muitos povos, os originários desta terra que nem se chamava Brasil, para os tupis-guaranis seu nome era Pindorama, a terra das palmeiras. E eu penso, como um navegador experiente errou o caminho com toda a sua expedição? Enfim, histórias contadas por quem pode ter sua voz creditada.
Mas longe da ideia de espelhinhos como presentes, Iracemas apaixonadas e encontros amistosos, Pindorama foi invadida por colonizadores que estupraram as mulheres, escravizaram os nativos e saquearam esta terra. Foi assim a chegada desses estrangeiros aqui.
E o que isto tem a ver com esta coluna?
Bom, o enredo se repete, mas em outras terras: chegada dos estrangeiros, saqueamento das riquezas, violências, sequestros e escravidão.
A HISTÓRIA EM QUADRINHOS “SOL: A PAJÉ SURDA” DESTACA A LÍNGUA INDÍGENA DE SINAIS
Os povos indígenas e os povos africanos passaram a viver juntos aqui no Brasil, compartilhando de dores e lutas, às vezes entre si, outras contra o inimigo comum. Rafaella Tuxá, atriz, cantora, indígena da etnia Tuxá, na cidade de Ibotirama (BA), preta, conta que “desde a colonização, a relação entre o indígena com o povo preto ela foi estigmatizada e muito dividida. Ouvi muito isso nos relatos dos meus mais velhos falando sobre essa relação porque minha família é parte negra e parte indígena. Me lembro dos meus avós falando que quando eram mais novos a ideia do colonizador era dividir a gente, porque eles entendiam que essas duas potências juntas poderiam derrubá-los, então eles sempre fizeram questão de dividir, de causar brigas, de não deixar que se relacionassem entre si, com medo de nos erguermos diante da opressão”.
Hoje, quase 500 anos depois deste encontro entre estas etnias, o desenrolar tem se movimentado em um novo sentido, as lutas de anos têm ganhado força, chegado a espaços antes lacrados a nós, e nossas vozes tem sido ouvidas, mesmo que muitas vezes não atendidas por aqueles que detêm o poder. A luta contra o racismo neste país não é só da população negra, precisamos lembrar daqueles que chegaram antes de nós. Dentro da cultura das religiões de matrizes africanas, há um ritual de sempre reverenciar os antepassados da terra, os primeiros povos e a partir daí, dar seguimento aos trabalhos. A luta contra o racismo atravessa estes dois povos, os indígenas e os negros. E é nesta aliança de combate que precisamos nos ater, apoiando-nos para assim derrubar este sistema estrutural.
Nosso inimigo é estrutural, foi levantado desde que se colocou o primeiro pé forasteiro em Pindorama e é necessário derrubar este alicerce corrigindo termos pejorativos, disputando espaços de igual para igual, desmistificando o que livros de história construíram em nosso imaginário, respeitando modos de vida que não são eurocêntricos, demolindo paradigmas, enxergando outrem como igual mesmo tendo diferenças.
Há indígenas lá, mas há aqui ao meu lado também, sentando no mesmo restaurante que frequento, compartilhando memes nas mesmas redes sociais que uso, consumindo os mesmos produtos que estão nos estabelecimentos que compro, estudando na mesma universidade que estudo e tudo isso sem perderem suas identidades.
“RESPEITEM MEUS CABELOS” – O RACISMO ESTÁ AÍ, SÓ NÃO APRENDE QUEM NÃO QUER!
“Eu vivo de redescobrir a minha identidade diariamente enquanto preta, enquanto indígena. Acredito que sou uma potência, que tenho fogo dentro do meu peito e que posso tudo que eu quiser, mas que tenho uma responsabilidade social muito grande também. E cada dia que passa eu entendo e percebo isso ainda mais, em relação a minha comunidade, em relação a minha etnia, em relação a minha identidade. Eu tenho consciência dos meus privilégios e de tudo aquilo que eu preciso fazer e ser. Eu posso reafirmar inclusive, que é muito bonito ser indígena, é muito bonito ser preta, e eu acho que precisamos nos amar todos os dias e se enxergar enquanto poder, porque é isso que nós somos, somos poderosos, somos talentos, somos raça, somos gana, somos muito e tudo ao mesmo tempo. E quem quiser que lide com isso, por que a gente precisa lidar com isso todos os dias. Eles vão continuar com medo, continuar negando, continuar apontando, continuar e continuar, e nós também vamos”. Assim nos fortalece Tuxá com suas palavras.
Obs: A palavra “índio” não tem relação alguma com o verdadeiro significado dos povos originários do Brasil. A maneira mais adequada de tratamento é o uso da palavra indígena, que significa “nativo” e deve ser também considerada as etnias.