“Permanecei fiéis à Terra!” Assim falou Zaratustra, antecipando a preocupação do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, mais evidente entre os anos 1887 e 1888, em reabilitar o “mundo real”. Mas qual é a natureza do realismo de Nietzsche? Como a Terra se tornou, em sua obra, o novo objeto metafísico, e mesmo o único objeto metafísico? Em busca de responder a estas perguntas, Pierre Montebello examina os cadernos preparatórios sobre a vontade de poder, que desempenham um papel considerável na reelaboração do pensamento nietzschiano, e traz a lume “Nietzsche – O Mundo da Terra”, pela Editora Unesp.
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“É bastante evidente que os fragmentos que vamos percorrer são apenas um esboço do pensamento nietzschiano – não podem ser considerados textos acabados. A incompletude é sua condição original. Trata-se literalmente de pensamentos fragmentários”, explica Montebello. “Mas esses fragmentos têm a vantagem ímpar de apresentar um pensamento em formação, um pensamento em ação, apreendido em seu surgimento, em sua tensão, em suas obsessões. São sarcasmos, pensamentos sutis, mordazes, combativos e venenosos, contra mil adversários que formam a história de nossa cultura moderna”.
Segundo o autor, Nietzsche maneja com sutileza a arte da genealogia, a arte de decifrar as forças inconscientes que atuam no seio da cultura, o fundo subterrâneo dos pensamentos, seu mecanismo psicológico, sua forma de poder. “No fundo, essa arte tem apenas um objetivo: lançar uma luz viva e extraordinariamente penetrante sobre os meandros obscuros do evento que chega ao Ocidente – o niilismo, a negação da Terra –, para substituí-lo pela possibilidade de um mundo criativo, o mundo da vontade de poder, o “sentido da Terra”.
“Embora não possamos descolar esse projeto de linhas de pensamentos anteriores, deparamo-nos com uma mudança profunda de seu pensamento”, pontua Montebello. “Com esse projeto, o que emerge é outra ‘concepção do mundo’ (expressão frequentemente utilizada, mas as aspas são indispensáveis a princípio, pois um mundo não é uma questão de concepção, de representação, ele exprime relações de poder entre forças), uma nova interrogação sobre o que doravante devemos entender por mundo. Um ‘outro mundo’, sustentado pela Terra, desenha-se no horizonte. Mundo dionisíaco, mundo da vontade de poder”, finaliza. 196 páginas. R$ 42.