Para você, o que é o amor? É puro e doce? Sexy e carnal? Algo para sempre ou eterno enquanto dure? Passível de ciúmes ou fundado na premissa de ‘deixe solto, se voltar é seu’? Tem de ser fácil ou complicado? Tal qual todos os sentimentos humanos, o amor é sentido de forma diversa por cada um, depende de uma infinidade de fatores. Nossa cultura, referências, formação pessoal, personalidade, até da nossa família e da sorte que temos na vida. No “Banquete”, famoso diálogo platônico escrito por volta de 380 a.C., Sócrates discursa e diz que o amor é filho de Poros (deus da abundância) e de Penia (a pobreza). Graças a sua concepção, ele tem as duas naturezas. Está longe de ser belo e delicado, sendo rude, sujo, sem um lar. Ao mesmo tempo é bravo, audaz e constante, ou seja, tem uma natureza sempre intermediária entre esses dois pólos, é prova da incompletude humana e, muitas vezes, também regresso a si mesmo.
ALBERT CAMUS: O AMOR EM TEMPOS OBSCUROS
O dia dos namorados está aí, em um ano de forte “carentena”, para os apaixonados e também para os desiludidos, resolvi montar uma lista de filmes românticos para assistir juntinho ou sozinho. Como mímesis da experiência humana, o cinema sabe bem como retratar o amor de diversas formas. Lá em 1896, o tema já era base de filmes como “O Beijo” (The Kiss), que apresenta em alguns segundos o primeiro beijo dado nas telas. Encenado por May Irwin e John Rice, a cena chocou a época, mas entrou para a história, já que não tem nada de fria e distante, como haveria de se esperar então. Pelo contrário, vemos dois amantes abraçados, falando com fervor um ao outro, de rostos colados, até o momento que o homem decide dar um beijo na amada. Dois anos depois, os atores Saint Suttle e Gertie Brown, repetiram a cena, sorridentes, porém tímidos, no curta “Something Good” (1898), que foi redescoberto em 2017 por Dino Everett, um arquivista de filmes da University of Southern California, e é considerado o primeiro beijo entre negros no cinema.
Em 1933, no drama “Êxtase” (Ecstasy), o amor novamente é palco para o novo. Nele, vemos a frustração de uma mulher recém-casada com um homem mais velho, que encontra a paixão e o desejo em um amante, deleitando o público com o primeiro filme não pornográfico a retratar uma mulher nua e, mais ainda, o primeiro orgasmo do cinema, interpretado em closes pela lindíssima Hedy Lamarr. De lá para cá, amar e ser amado (ou não) movimenta a indústria e emociona o público, rendendo muitas lágrimas e risadas.
É possível amar duas pessoas ao mesmo tempo?
Eleito o filme mais romântico de todos por uma revista britânica, “Desencanto” (Brief Encounter – 1945) é, com certeza, um dos meus filmes de amor preferidos. A trama gira em torno do clássico amor proibido em toda sua forma melancólica. Tudo começa em uma estação ferroviária inglesa, quando a dona de casa de classe média, Laura (Celia Johnson) conhece o médico, também casado, Alec (Trevor Howard). Uma conversa amigável, um chá e uma série de encontros na estação depois, nasce um relacionamento platônico e, eventualmente, a percepção de uma grande paixão, que, claro, vem acompanhada da agonia de querer ter o outro e da culpa por seus respectivos parceiros. A questão física é latente, o público sente a todo momento o quanto esse casal deseja, mas a cereja do bolo é que em momento algum o filme retrata os cônjuges de ambos de forma pejorativa. Inclusive, há um diálogo entre Laura e o marido nos minutos finais ma-ra-vi-lho-so. Aqui, a paixão pode aflorar mesmo já amando alguém com intensidade.
Seguindo essa mesma linha, “Tudo Bem no Ano que Vem” (Same Time, Next Year – 1978), apresenta Doris (Ellen Burstyn) e George (Alan Alda), um casal de amantes, desde seu primeiro encontro em 1951, ocorrido em uma idílica pousada na Califórnia. A peculiaridade desse caso, é que no lugar de serem apenas o caso de uma noite, os dois decidem se encontrar na pousada todos os anos para um retiro romântico, longe de seus respectivos marido/esposa e filhos. Nas décadas que se seguem, acompanhamos pelas lentes do filme as vitórias e dificuldades pessoais de cada um, assim como as transformações que a sociedade passa. Os personagens e a fotografia encarnam as personalidades, opiniões sociais e políticas latentes de cada época. Apesar de se encontrarem apenas uma vez por ano, o amor e a intimidade que desenvolvem é único. O que não os impede de seguir amando as pessoas com quem são casadas, inclusive, para aliviar a culpa da situação, em todo encontro, Doris e George contam uma história boa e ruim sobre seus cônjuges.
Nem toda história de amor precisa ser épica
Ser inovador, não necessariamente é quebrar grandes tendências ou trazer personagens épicos. Em “Marty” (1955), por exemplo, o herói é um açougueiro tímido e entediado (Ernest Borgnine). Um dia, em um salão de dança, ele conhece a jovem Clara (Betsy Blair), nada glamorosa, com sérios problemas de autoestima e confiança, e ambos se identificam no sentimento de rejeição e desesperança. A maior parte da história se passa na noite em que o casal se conhece e, ainda assim, temos um arco sensível, delicado e profundo. Marty tem de superar os seus preconceitos, a timidez, o controle da mãe, a soberba dos amigos, que acham a moça feia, e um turbilhão de sentimentos reais em 1955 e em 2021. Já que mudam os costumes, mas as emoções seguem a flor da pele. Um filme caloroso sobre gente comum, raramente mostrada no cinema, que vai te deixar de coração quentinho.
Outra dica na mesma pegada é “Românticos Anônimos” (Les Émotifs Anonymes – 2010), comédia das mais graciosas, sobre o casal Jean-René e Angélique: dois apaixonados por chocolate — ele é dono de uma fábrica de bombons e ela uma chocolateira — e patologicamente tímidos. O grande artífice dessa história, é que é impossível assistir e não simpatizar com as personalidades retratadas e, por consequência, com os desafios até a completude do amor.
Falando em deixar a flor da pele…
O cineasta Wong Kar Wai reinventou o amor com languidez. Suas obras são uma experiência sensorial de imagem e som, que chega a todos os outros sentidos. Aqui vale citar não um filme, mas toda a sua filmografia: “Dias Selvagens” (A Fei Jingjyuhn – 1990), “Amor à Flor da Pele” (Fa yeung nin wah – 2000) e “2046 – Os Segredos do Amor” (2046 – 2004) compõem uma espécie de trilogia, não oficial, lindamente embalada pelo tango. Em “Amor à Flor da Pele”, o mais famoso deles, um homem e uma mulher, Chow Mo-wan e Su Li-zhen, são traídos por seus respectivos parceiros e se unem para consolar um ao outro. Não há toque entre eles e é a curiosidade de saber onde tudo deu errado que os aproxima e os envolve em uma névoa de melancolia e frustração.
Além desses,“Amores Expressos” (Chóngqìng Sēnlín – 1994), “Anjos Caídos” (Fallen Angels – 1995) e “Felizes Juntos” (Chun Gwong Cha Sit – 1997) também são obras do diretor que tocam no fundo da nossa alma. O último, sobre um relacionamento destrutivo entre dois homens vivendo em um país que não é o seu, serviu com certeza de inspiração para “Moonlight: Sob a Luz do Luar” (Moonlight – 2016). Podemos dizer até que Barry Jenkins é um dos melhores alunos da escola Wong Kar Wai de cinema e representação amorosa. Seu filme é tão intenso, em cores neon vibrantes e envolventes quanto as do diretor chinês. Nas relações amorosas, o olhar, em sua presença ou ausência, é uma via para constituir, em certo sentido, a autoestima de quem ama e a própria capacidade de amar. Ideia explorada sensorialmente por ambos diretores.
Clássico é sempre clássico
Não, não estou falando de “Casablanca”, que sim, é o clássico dos clássicos dos filmes românticos: afinal, sempre teremos Paris. O sucesso que vou mencionar aqui é de Rob Reiner e teve uma grande influência no que foi feito depois nas comédias românticas. Estou falando de “Harry e Sally – Feitos Um para o Outro” (When Harry Met Sally – 1989). Seu diferencial é ser um dos primeiros a ter esse tom atrevido, divertido e apaixonante. A história de amor desenvolvida aqui, se passa, ao todo, no decorrer de 12 anos e três meses, contagiando o público com ótimos diálogos entre os encontros e desencontros desse casal maluquinho. Falando em encontros e desencontros, o romance argentino “O mesmo amor, a mesma chuva” (El Mismo Amor, La Misma Lluvia – 2017) segue essa premissa ao contar a história de Jorge (Ricardo Darín) e Laura (Soledad Villamil), entre 1980 a 1999. Enquanto acompanhamos as transformações da vida de cada um, o país passa por uma reviravolta política da ditadura, guerra das Malvinas, até a democracia. Fica a mensagem, diga sempre o quanto sente, não espere o tempo correr e a vida passar. Não que amar tenha idade, é sempre momento para florescer esse sentimento.
Ideia muito bem fundamentada na Trilogia do Antes — “Antes do Amanhecer” (Before Sunrise – 1995), “Antes do Pôr Sol” (Before Sunset – 2004) e “Antes da Meia-Noite” (Before Midnight – 2013) — do diretor Richard Linklater. Em uma entrevista que eu procurei, mas não achei para citar precisamente aqui, o Ethan Hawke, um dos protagonistas dos filmes, disse que eles seguem a seguinte lógica: o primeiro é sobre o que poderia ter sido, o segundo sobre o que deveria ter sido e o terceiro, o que efetivamente foi essa história de amor (é o meu preferido!). Poucos filmes retratam esse sentimento de forma tão natural, cada elemento na trilogia conversa com o espectador como se ele fizesse parte da história. Todos queremos ser ou ter em nossas vidas um Jesse /ou uma Céline.
Para fechar com chave de ouro
Por último, mas não menos importante, uma série espanhola que documenta um novo relacionamento entre duas pessoas que se conheceram por meio de um aplicativo de namoro foodie: “Foodie Love” (2019). Em oito episódios, cada um com duração de 30 minutos, a alta gastronomia embala encontros que dividem a cena com flashes dele e dela, aonde o casal vai revelando traumas e feridas anteriores, ao mesmo tempo em que se permite tentar de novo. Feito o processo de provar um alimento novo, às vezes, experimentamos e a primeira vista o sabor é estranho, as papilas demoram um tempo para se acostumar e gostar ou descartar. Amar é assim, cheio de nuances, cores, cheiros e sabores, mesmo quando dá ruim, a gente tenta de novo, porque enquanto durar o sentimento bom, vale sempre a pena.