CLÁSSICO CONTRA O AUTORITARISMO, “O ARQUITETO E O IMPERADOR DA ASSÍRIA” GANHA MONTAGEM COM TRAÇOS DISTÓPICOS

PEÇA ESPANHOLA DE FERNANDO ARRABAL, ESTREIA NO CCSP, E DISCUTE O CONFRONTO ENTRE CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE
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21.09.2021

Bob Sousa / Divulgação

Escrita em 1967 pelo dramaturgo espanhol Fernando Arrabal“O Arquiteto e o Imperador da Assíria” é uma das peças fundamentais da reflexão sobre o pós-guerra e o totalitarismo que culminou no confronto. Uma montagem inédita do espetáculo, criada pelo grupo Garagem 21, estreia no Centro Cultural São Paulo, no dia 24 de setembro. A direção é de Cesar Ribeiro e traz no elenco, os atores Eric Lenate (Arquiteto) e Helio Cícero (Imperador). 

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Situada em uma ilha deserta, a peça se inicia com um desastre aéreo que leva seu único sobrevivente a entrar em contato com um nativo que jamais teve contato com outro ser humano. A partir dessa interação, o sobrevivente busca impor ao outro suas ideias de cultura e civilização. 

“Ao contrapor um homem civilizado com um ser sem origem reconhecida, sem ascendência e que nunca teve contato com outro humano, a obra retrata a violência inserida no processo de formação da sociedade. Utilizando a cultura para seduzir o Arquiteto sobre as supostas maravilhas da civilização, além da construção da linguagem, há o processo de formação do Estado e do conhecimento de toda a estrutura social, em que entram conceitos como política, religião, família, relações afetivas, artes, filosofia e a própria noção de humano, termos desconhecidos pelo nativo e sempre apresentados pelo Imperador de modo distorcido, trazendo conexões com as ideias de fake news e pós-verdade”, analisa o diretor.

A escolha de montar “O Arquiteto e o Imperador da Assíria” representa uma continuidade da proposta de Cesar Ribeiro em dirigir peças que abordem sistemas diversos de violência. “De acordo com o conceito de Triângulo da Violência, proposto pelo sociólogo norueguês Johan Galtung, pode-se dividi-la em três tipos: a violência direta, que é a forma mais reconhecível na sociedade, em que há um agente que comete a violência, um que a sofre e uma ação violenta, como o assassinato; a violência estrutural, em que a violência se imiscui na estrutura da sociedade, como a desigualdade social, por meio de questões como o desemprego; e a violência cultural, que retrata os modos de discurso e visão de mundo que buscam validar a violência direta e a estrutural, como o racismo, o machismo e a homofobia. Na peça, há as três tipificações, mas o alicerce da criação do poder do Imperador está na violência cultural, ao utilizar o conhecimento do mundo dito civilizado para seduzir o Arquiteto e fazer com que o jogo de dominação seja aceito por ele”, diz Cesar

O texto original de Arrabal foi preservado na adaptação, mas o grupo inseriu trechos de obras de outros autores, como do dramaturgo irlandês Samuel Beckett e do carioca Nelson Rodrigues. Segundo o diretor, trata-se de inserções pontuais que complementam frases de Arrabal e reforçam as semelhanças que regimes totalitários têm entre si. “Também foi possível inserir texto de editorial do dia seguinte ao golpe militar de 1964, em uma busca de intensificar a crítica da montagem ao autoritarismo atual”, conta. 

Houve a opção de não representar na cena os elementos que poderiam remeter a uma ilha deserta – a escolha foi criar um terreno distópico não facilmente identificado, por meio de uma estética contemporânea que remete a jogos eletrônicos e HQs para representar uma sociedade que se vale do artifício e do arbítrio, em oposição à alegação de suposta “natureza das coisas”. Do mesmo modo, o desastre também deixa rastros que são utilizados cenicamente, como a cabine e a poltrona do avião, que se tornam, respectivamente, a cabana e o trono do Imperador. 

A inspiração para esse cenário apocalíptico é múltipla. Há elementos da saga japonesa Ghost In The Shell; do artista plástico suíço H. R. Giger, reconhecido pela estética metalizada e futurista de Alien; do cinema expressionista alemão; e das propostas cênicas do encenador polonês Tadeusz Kantor.

O figurino também responde à uma estética futurista fundida à moda elisabetana, com influências do estilista britânico Gareth Pugh. “Há uma busca de não localizar tempo e espaço na montagem, ao mesmo tempo em que esse espelhamento em um futuro de ruínas industriais e tecnológicas aponta para a transformação da sociedade a partir de sua periferia, de seus produtos, mas não do humano em si”, complementa Cesar.

O diretor reforça que o ponto central da encenação é abordar como determinados modos da narrativa, que representam uma visão da realidade, servem a um projeto totalitário de poder que se pretende salvador, mas que, para exercer essa ideia de salvação, constrói a destruição do outro, do divergente, seja por meio de crimes diretamente executados por agentes do Estado ou por diversos mecanismos de coerção e perseguição.

 “Trata-se de uma necropolítica, do constante retorno a modos de tratar o outro como inimigo, seja por aspectos morais, religiosos, econômicos, políticos, raciais, sexuais ou afins. O poder de agentes, intra ou extra Estado, de determinar quem é útil ou inútil a determinada sociedade e dispor sobre sua vida e sua morte. Esse princípio de aniquilação do outro visando a um suposto bem comum, sempre excludente, é característica de toda ditadura e de uma civilização em estado de guerra contra sua própria população, solidificando a barbárie como aspecto do cotidiano”, conclui. 

SERVIÇO

Espetáculo “O Arquiteto e o Imperador da Assíria” 

Onde: Centro Cultural São Paulo – CCSP

Endereço: Rua Vergueiro, 1000, Paraíso – São Paulo

Quando: 24 de setembro até 24 de outubro

Horário: sexta e sábado às 20h, domingo às 19h – sessão extra em 21 de outubro às 20h30

Quanto: R$ 20 (inteira) R$ 10 (meia) – entrada gratuita para estudantes e professores da rede pública

Classificação etária: 16 anos

Duração: 120 minutos

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