Os últimos tempos não tem sido generosos com nosso comodismo e nossas alegrias. Ele tem sido aquela pessoa ruim na nossa vida que nos coloca contra a parede, nos pressiona e nos obriga a olhar sob vários ângulos a mesma situação para que possamos sair dela. Ao mesmo tempo, tem sido um ótimo professor, um ótimo aluno, e de um desnudar a realidade como nunca antes visto. Em meio ao grande divisor de águas do século 21 – a pandemia Covid-19 – estou a refletir sobre o existir e suas formas. Ao sentir e suas consequências. E em como a nossa história é mesmo um emaranhado pedindo socorro pelo seu desenrolar.
Não há fórmula mágica, sabemos bem, e não adianta querer esquecer o que se passou lá atrás: se dizem que somos resultado daquilo que vivemos, por que então iríamos querer apagar parte do que nos forjou o ser de hoje? Eu venho de uma forja dura, longa, dolorida e com insistência de molde. Muitas vezes não pude me mover um centímetro, pois ela, sempre atenta e esperta, me impedia. E me tornei uma bexiga com um fio.
Sim, uma bexiga com um fio pendurado!
Muito provavelmente cheia, com gás hélio, voando por aí. Sem direção. Levada pelas rajadas de vento que me fazem desconcertar e ir, sem saber para onde, nem onde vou parar. Apenas vou. E esse fio? Você deve me perguntar. É o vislumbre da fé e da esperança de que, em algum momento, esse fio fique preso a algo ou alguém e me dê o descanso do sentir-se perdido.
O ESPELHO DE DUAS FACES – A GENTE TEM SE OLHADO, MAS NÃO SE VISTO
Que me leve a um porto seguro onde poderei curar as feridas restantes, receber o afago de um carinho na minha pele de borracha que vai fazer vibrar todo o gás dentro de mim. Me renovará o propósito perdido, e a certeza de que viveremos num mundo melhor para pessoas como eu. Feito bexiga com fio, sigo com o vento. Feito ser humano, me perco. Feito admirador de palavras, escrevo esse relato de uma alma encarnada com sua história. Feito amante, me enamoro do que senti e sinto. E feito aluno, tento aprender o máximo que puder, para, assim, poder passar de ano.
Entre tantos acontecimentos e perdas, eu, sempre tão disposto a colocar em palavras minhas questões, hoje me pego querendo silêncio. Em nome de todas as partes minhas que esse mais de um ano pandêmico me levaram. Em nome das mais de 400 mil pessoas que tiveram suas vidas levadas por esse vírus. Em nome dos vazios deixados nos corações de todo mundo (sim, todo mundo!).
Nunca achei que eu ficaria sem vontade de escrever… Fiquei.
