Em silêncio, Ana Cacimba surgiu no palco na terceira noite do Festival Pepper Music, nesta última quinta-feira (20), no Teatro Paiol Cultural, em São Paulo. Sem pronunciar uma palavra, a cantora evocou seus ancestrais que certamente estavam presentes neste espetáculo. O público já sabia o que viria pela frente com seu repertório repleto de brasilidade e religiosidade. Ao entoar a primeira nota com sua voz potente, mas ao mesmo tempo suave, a artista imediatamente arrancou leves sorrisos do público, pronto, ambos estavam conectados.
Acompanhada dos músicos Bruno Prado e Will de Paula, que estavam na mesma sintonia da cantora, fizeram uma apresentação impecável – com canções, na maioria delas, de religião de matriz africana, o show uniu mais uma vez de forma universal – artista e público – o soar do tambor que ecoava pelo teatro não dava espaço para o julgamento, muito menos para o preconceito – as palmas da plateia serviram como um termômetro – e a temperatura estava favorável.
Descendente de quilombola, Ana Cacimba já absorvia a cultura da região e de seus familiares desde cedo, e hoje traz nas letras de suas canções essa ancestralidade, assim como as vivências periféricas, da região de Diadema, cidade onde nasceu e reside atualmente. “Com licença a quem chegou primeiro. Licença a quem ainda vai chegar. Salve, salve saravá! Eu peço a benção aos meus mais velhos. Aos anjos e santos pra curar. A benção aos orixás”, trata-se de um trecho da canção “Benzedeira” que integrou seu repertório ao qual a cantora enaltece os seus ancestrais.
“AZEVICHE”, PRIMEIRO ÁLBUM DE ANA CACIMBA, EXALA NEGRITUDE E FÉ AFRO-RELIGIOSA
Em oito anos de carreira, a artista lançou seu primeiro EP, intitulado “Cura”. Em seguida surgiu o primeiro álbum da carreira “Azeviche” ao qual enaltece a fé afro-religiosa e a negritude. “A narrativa da fé afro-religiosa e ancestralidade estão presentes em todo o meu fazer artístico, então esse foi um caminho muito natural. Sobre essa mistura de passado e futuro, veio muito na sonoridade, de misturar a percussão da cultura popular e dos ritmos de terreiro, com os beats e elementos eletrônicos trazendo um pouco do afro-futurismo como referência”, comentou Cacimba.
Há 40 anos, no mês de abril, assim como o mês dessa apresentação, o Brasil ficava órfão de uma das vozes mais marcantes da música popular brasileira, Clara Nunes já não estava mais entre nós, mas suas canções ficaram eternizadas entre a população – o folclore nacional e ritmos de umbanda eram notáveis em suas apresentações e vestimentas – atualmente não temos uma nova Clara Nunes, pois cada artista é único, mas podemos dizer que, sem saber, um dos maiores ícones da MPB deixou uma sucessora que atende pelo nome de Ana Cacimba.
Caminhando para a reta final de seu espetáculo, Ana Cacimba trouxe o seu aguardado instrumento musical – o asalato – marca registrada da artista – “posso dizer que o asalato é uma parte de mim”, mencionou. E para coroar, chamou ao palco, Bento, seu filho que através de seu carisma e inocência preencheu todo o espaço que ainda restava no palco – Ana ao olhar orgulhosa para sua cria, emana “Filho de Cacimba, Cacimba é” – e assim pediu para que a plateia desse as mãos e formasse um grande círculo – do mesmo jeito que o show iniciou com a conectividade entre artista e público, encerrou conectados, literalmente. Chegava ao fim o enredo de Ana Cacimba – um promissor nome da música popular brasileira.