Desde que comprei, sem pretensões de me apaixonar, uma edição de “O Estrangeiro”, Albert Camus entrou na minha vida pela porta da frente. Confesso que a obra não foi a decisiva para nossa relação. Desconfiada, resolvi dar mais uma chance. A atração claramente existia ali, mas faltava um elemento para que se tornasse duradoura e ele veio quando, finalmente, descobri as entrelinhas de “A Peste”. Ali, com borboletas borbulhando no estômago, o amor floresceu. Esse sentimento tão plural, cabível para confabular sobre livros ou definir relacionamentos românticos e/ou fraternais.
Apesar de não fornecer uma exploração sobre o tema, Camus aborda o amor indiretamente em diversos escritos. No ensaio “Regresso a Tipasa”, por exemplo, escreveu que “não ser amado é apenas questão de pouca sorte; mas não ser capaz de amar é uma desgraça”. O absurdista fala com a propriedade de quem até hoje é conhecido como um Don Juan. Fama que não o impediu de viver o amor intensamente, com histórias dignas de roteiro de cinema, feito o relacionamento com a atriz espanhola María Casares. Iniciado quando ele já era casado com Francine Faure. Especificamente, em seis de junho de 1944, marcado na história como “Dia D” (data do desembarque dos Aliados na Normandia), e acabou — por um tempo — quatro anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. Entre muitos encontros e desencontros, os dois estiveram entrelaçados até quatro de janeiro de 1960, quando Camus, precocemente, morreu em um acidente de carro, a caminho de Paris, onde encontraria Casares.
Conhecido principalmente pelo “Mito de Sísifo”, Camus compara a condição humana ao personagem título desta obra. Sísifo, de acordo com a mitologia grega, foi punido pelos deuses a rolar uma pedra colina acima para sempre. Cada vez que ele chega ao topo, a pedra cai para trás e o trabalho tem de ser refeito. Para os deuses, não haveria punição mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança. Na interpretação de Camus, nossa existência é fútil e trágica tal qual a de Sísifo. Segundo essa lógica, se nada do que fazemos importa, em tese, a conclusão óbvia é que não há porque continuar existindo. Só que o filósofo vai na direção contrária, se a vida não é predeterminada e nossa existência não tem sentido, somos verdadeiramente livres para moldá-la e viver com toda intensidade.
Camus arrasta esse pensamento para o debate de diversos assuntos, inclusive, para o amor. Segundo ele, este sentimento nasce da revolta, fortalecendo-se nessa urgência de viver. Em seus diários, apontou que se “tivesse que escrever um livro sobre moral, teria 100 páginas, e 99 estariam em branco”. Escreveria apenas na última: “eu só conheço uma obrigação: a de amar”. Claro, bem ou mal, Sísifo nunca descansa, relacionamentos chegam ao fim e o mundo segue insensato. Mas, optar pela inanição, é o que o autor chama de suicídio filosófico.
Em um mundo absurdo, todos estão condenados tanto à morte quanto à vida e ousar amar é um grande ato de rebelião. Mais além, é arte. Fica a pergunta: o quanto você tem se rebelado por aí? No “A Peste”, uma sociedade sitiada, sobre o poder de uma doença mortal — qualquer semelhança com o agora não é pura casualidade — perde o poder do amor e da amizade, pois ambos exigem “um pouco de futuro” e para as personagens só havia instantes. Acordando todo dia com um jornal que nos informa a desesperança, espero que esse texto chegue a você como um lembrete de que o amanhecer sempre vem. Sem papo de coach ou idealizações, não perder a esperança e seguir amando é rebelar-se contra o absurdo da vida. Aliás, no lugar da conformidade, Camus recomenda justamente que “a verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo para o presente”.