Em 2018, pesquisadores da Universidade de Turim analisaram mais de 47.000 filmes para definir qual obra foi mais referenciada e que mais influenciou as gerações seguintes. “O Mágico de Oz” (1939) garantiu o primeiro lugar neste pódio. Judy Garland, na época com 16 anos, deu vida a doce Dorothy Gale, de 10 anos, escondendo seu corpo juvenil sob espartilhos e o famoso vestido azul de algodão, tornou-se a partir daí uma das atrizes mais conhecidas de Hollywood.
Garland tinha 13 anos quando assinou com a MGM. Cresceu na indústria com uma rotina de trabalho abusiva, oprimida pelo ideal do que uma mulher deve ser. Os executivos, que a consideravam feia e, pasmem, gorda para os padrões, faziam-na consumir pílulas para saciar a fome, regular o peso. Estas lhe tiravam o sono, então vinham mais pílulas para que conseguisse dormir. Assim viveu até morrer de uma overdose acidental, aos 47 anos. É dos últimos meses de sua vida que o filme de Rupert Goold, “Judy: Muito Além do Arco-Íris”, fala.
Adaptado da peça de Peter Quilter, “End of the Rainbow”, o roteiro a apresenta falida, rejeitada pelo vício em remédios e álcool pela mesma indústria que lhe viciou neles. Em meio a uma briga judicial pela guarda de seus dois filhos mais novos, Judy parte para Londres na esperança de fazer dinheiro suficiente para ser finalmente livre.
A cena de abertura mostra uma Judy (Darci Shaw) adolescente, ainda no set de “O Mágico de Oz”. Há uma quebra da quarta parede que promete muito, mas logo o tom se perde e a tentativa de não-linearidade se torna um artifício repetitivo e totalmente perdido. Não se aproveita a infância de Judy e não se firma a emoção de seus últimos dias.
Um ponto positivo é a presença de Rosalyn Wilder (interpretada por Jessie Buckley), assistente de produção que acompanhou todos os shows londrinos e que passa o filme como observadora da situação. As duas eram mulheres em um mundo de homens impiedosos e não há muito o que fazer a respeito, então Wilder fica por perto e garante que Judy se apresente, apesar das dúvidas e constante auto-sabotagem da estrela.
É interessante observar que na única cena em que Liza Minnelli (Gemma-Leah Devereux) aparece, a jovem comenta com Judy sobre um show futuro e a primeira reação de sua mãe é perguntar se ela está preocupada com a apresentação. Com a negativa da filha, Judy se desconcerta. É impossível a ela imaginar um mundo de confiança.
Já é aposta praticamente certeira que Renée Zellweger sairá do Teatro Dolby, no dia 9 de fevereiro, com seu segundo Oscar em mãos (venceu como atriz coadjuvante em 2004, por ‘Cold Mountain’). Ao interpretar Judy Garland, ela transcende a si em um trabalho de corpo e voz impecáveis (nada de playback, é a própria quem canta nas cenas musicais). Mas em resumo, “Judy: Muito Além do Arco-Íris” é mais uma cinebiografia mediana, sobre uma estrela que encontrou um final trágico, sustentada por uma grande atuação. Retire Renée e o filme se torna irrelevante.
Judy: Muito Além do Arco-Íris (Judy) – EUA, 118 min, 201. Dir.: Rupert Gold – Estreou em 30/01. Assista ao trailer
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