A julgar pela seqüência de abertura, ’22 Milhas’ promete bastante. A calculada movimentação de câmera logo em seu primeiro passeio (conhecido como “travelling”) é animadora: abandonamos na varanda de uma residência um casal que discute se chegaram ao endereço correto, e seguimos vagarosamente até o quintal dos fundos, captando detalhes que catalisam a tensão e nos deixam em suspense pelo combate que, a essa altura, já sabemos ser iminente. Algo digno de grandes diretores.
Temos a sensação de que o cineasta Peter Berg manterá o bom nível de seus últimos trabalhos, uma lista interessante que começou com ‘O Grande Herói’ (2013) e seguiu com ‘Horizonte Profundo’ (2016) e ‘O Dia do Atentado’ (2016), o consolidando como um bom diretor de filmes de ação. Assim como em ’22 Milhas’, todos protagonizados por Mark Wahlberg.
Bom ver, logo de cara, Lauren Cohan (a Maggie de ‘The Walking Dead’) liderando as ações, auxiliada pela lutadora de artes marciais Ronda Rousey, em seu papel mais extenso no cinema até aqui. Todavia, basta o pau começar a quebrar para o encanto inicial ir caindo por terra. A primeira pancadaria ainda empolga, mas o que vemos depois é, basicamente, o que se vê sempre: lutas, tiros e explosões editadas de maneira frenética, valorizando pouco as coreografias e causando tonturas no espectador. O surpreendente planejamento de câmera do início não se repete.
Lauren Cohan e Ronda Rousey
A história, contudo, não é ruim: Li Noor (Iko Uwais), um policial chinês de elite, se refugia na embaixada norte-americana desejando revelar planos secretos de seu país que atentam contra a segurança mundial. A condição é que ele receba abrigo nos EUA. Seus colegas já estão na sua cola, com a missão única de executá-lo. Caberá a James Silva (personagem de Wahlberg) e sua equipe garantirem que o dissidente chinês chegue com vida ao avião que o levará à América, num trajeto de cerca de 35 quilômetros entre a embaixada e o aeroporto – que equivalem a 22 milhas, sacou?
A construção da trajetória de Silva e Noor poderia ser explorada por mais tempo, mas é interessante também, apresentando-os como espelhos um do outro (como nas lendas germânicas sobre o “doppelgänger”). Ambos são altamente treinados e competentes em suas profissões. Calculistas, meticulosos, letais. A diferença básica é a inquietude ansiosa de Silva em contraste com a aparente tranquilidade oriental de Noor. Complementam-se perfeitamente, e o natural entrosamento dos dois no campo de batalha será decisivo. Yin-yang marcial.
A operação é toda monitorada e comandada a centenas de quilômetros de distância por uma equipe liderada por Bishop (bispo, em inglês), interpretado por John Malkovich, e composta, ainda, por personagens com nomes correspondentes a outras peças de maior autonomia no tabuleiro de xadrez (rei, rainha, torre). Suas mesas são rodeadas por bonecos de ex-presidentes norte-americanos. Se é alfinetada ou apenas exposição da realidade, associar Silva e sua equipe a meros peões descartáveis no contínuo jogo geopolítico mundial é a melhor sacada do roteiro.
Ou seja, ’22 Milhas’ não é necessariamente de se jogar fora, mas sua execução, à parte os caprichados minutos iniciais, o tornam apenas um filme de ação comum, que repete fórmulas consagradas do subgênero “operações secretas”. Ainda mais vindo na sombra do recém-lançado ‘Missão: Impossível – Efeito Fallout’ (leia a crítica), franquia referência neste tipo de produção. Mas inegavelmente tem seu público. Mesmo que, por ventura, fracasse nas bilheterias, será sucesso no Domingo Maior.
22 Milhas (Mile 22) – EUA, 94 min, 2018. Dir.: Peter Berg – Estreou em 20/9.