A história de uma Cassandra, mulher trans negra que acaba de conquistar sua estabilidade toma um rumo inesperado com a chegada de um filho que ela gerou com outra mulher dez anos atrás, tem me feito pensar muito nestes dias sobre a força da representatividade, seja ela racial, de gênero ou classe social.
Há tempos o documentário “A Negação do Brasil” (Youtube), dirigido por Joel Zito Araújo, traz a discussão o papel de atores negros e atrizes negras que sempre representam personagens estereotipados como empregadas domésticas, bandidos ou escravizados e dificilmente chegavam a papéis de destaque. É tanto que podemos contar nos dedos as atrizes negras que protagonizaram na TV, e sobre atores negros, nem se fala. Por isso quero destacar alguns motivos para assistir esta série e tentarei ao máximo, não dar spoiler.
1. REPRESENTATIVIDADE
Esta é uma narrativa que traz diversidade e mostra uma periferia que tem muita coisa pra contar. Os personagens são ricos, pois são nossos vizinhos negros e negras, LGBTQIA+ que lutam para driblar as estatísticas, mães solos que fazem de tudo por seus filhotes, crianças que simplificam o que os adultos complicam, trabalhadores assalariados e autônomos na batalha do dia a dia, tudo isso e mais um pouco se passa numa São Paulo que é ralada por pessoas que não são paulistanas, sempre de fora.
2. LINIKER HARMONIZA COM O ELENCO
Uma estrela. A presença de Liniker se desfaz para Cassandra aparecer. Uma cantora fantástica que se mostra atriz muito poderosa que se joga fazendo cada cena de ser marcante. Mas claro, ela não está neste jogo sozinha. Todo o elenco mostra estar em harmonia, degustando tudo. Uma observação especial para a afinação das crianças Gustavo Coelho e Isabela Ordeñez, que são um show à parte, o camaleão Gero Camilo e a camaleoa Karine Telles, o talento de Thomas Aquino e Clodd Dias. E para quem diz que não conhece atrizes trans, só nesta série tem três em papeis em evidência, e todas negras.
3. VANUSA E OUTRAS VOZES
Cada episódio tem um clipe no mínimo. Recheado de canções entoadas por Vanusa, uma cantora pioneira ao gravar as próprias composições, que faleceu ano passado com insuficiência respiratória, e na trama ela é o grande ídolo de Cassandra. Além do saudosismo trazido por Vanusa, as músicas interpretadas por Liniker são shows que dão vontade de silenciar tudo ao redor. Mas também ouvimos Linn da Quebrada, que já participou da série “Segunda Chamada” (Globo) e Danna Lisboa, também cantora, acaba de lançar seu novo single, “Fluxo Reverso”.
4. PRODUÇÃO NACIONAL
Muito importante termos produções de tamanha qualidade, ainda mais se estão disponíveis para serem assistidas em 240 países. Outra coisa é o discurso de diversidade que está por trás das câmeras também. Alice Marcone é uma cantora, trans e uma das roteiristas junto com Josefina Trotta e Marcelo Montenegro. Precisamos valorizar o que é nosso, até porque o audiovisual que tem salvado a sanidade de muita gente nestes dias.
5. A VIDA COMO ELA TAMBÉM É
Não tem glamour. Vemos a vida real, como ela é, sem fantasias, porém com poesia, mesmo que às vezes seja triste, mas sempre belo, tanto nos personagens quanto nas locações, roteiro e arte. Vemos a realidade de pessoas que vivem nas periferias e não são envolvidas com crimes como frequentemente são retratadas. Pessoas que se acostumaram com a vida que leva, mas sem se acomodar. “Manhas de Setembro” (Amazon) tem cinco episódios com aproximadamente trinta minutos cada, e que deixa o gosto de quero mais, contudo, dá para assistir como um filme.
LINIKER CANTA “COMO VAI VOCÊ” NO TEASER COM CENAS INÉDITAS DA SÉRIE “MANHÃS DE SETEMBRO”
Que venham mais projetos assim, com outras perspectivas, pois descoberta de paternidade/maternidade tardia já foi mostrada bastante, mas por vieses semelhantes a este, se criam novas situações. E que cheguem a TV aberta também para que o acesso a essas produções ajude na construção de uma sociedade mais respeitosa.